Os brasileiros acreditam mais em notícias falsas que os italianos e os estadunidenses
4 de maio de 2020
Download da versão em PDF Voltar à página de RelatóriosAlém da pandemia do coronavírus, o Brasil está enfrentando uma infodemia de Covid-19. De acordo com um estudo da Avaaz, 9 em cada 10 brasileiros entrevistados no país viram pelo menos uma informação falsa sobre a doença, e 7 em cada 10 brasileiros entrevistados acreditaram em, ao menos, um conteúdo desinformativo sobre a pandemia. Esses dados são ainda mais preocupantes quando comparados aos dos EUA e da Itália (65% e 59%, respectivamente). Esse cenário ilustra o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já vem alertando: a desinformação sobre a doença pode estar se espalhando mais rápido que o próprio vírus.
A pesquisa da Avaaz também destaca alguns dos principais conteúdos de desinformação circulando no Brasil, nos Estados Unidos e na Itália, além de alguns dos perfis que mais compartilham essas histórias no Facebook.
Todas as plataformas de redes sociais já reconheceram o problema da desinformação e empresas como o Facebook aumentaram seus esforços para combatê-lo, direcionando, por exemplo, todos aqueles que interagiram com alguma desinformação sobre o coronavírus ao website oficial da Organização Mundial da Saúde. No entanto, tratam-se de esforços voluntários e ad-hoc, e nenhum deles têm sido suficiente para conter o problema em um momento em que as vidas das pessoas estão claramente em risco.
A Avaaz acredita que os brasileiros precisam do poder público para regular essa crescente ameaça social e encoraja os legisladores a criarem leis urgentes que garantam que as plataformas lidem, de maneira efetiva, com essa crise. Além disso, as plataformas precisam urgentemente aumentar seus esforços para conter a desinformação, adotando especificamente as seguintes medidas: exibir correções a todos os usuários que tenham sido alvo ou interagido com conteúdos de desinformação (estudos mostram que isso reduz a crença em informações falsas), e desintoxicar o algoritmo de recomendação para evitar que essas mentiras perigosas se espalhem ainda mais.
A Avaaz conduziu uma pesquisa no Brasil, na Itália e nos Estados Unidos, três países que estão sendo amplamente afetados pelo novo coronavírus, para entender a escala da crença na desinformação sobre o vírus. As principais conclusões foram:
Há uma verdadeira infodemia sobre o coronavírus no Brasil
94% dos brasileiros entrevistados viu, pelo menos, uma das notícias falsas sobre o coronavírus mostradas em nossa pesquisa.
Cerca de 8 em cada 10 viu até mesmo duas ou mais das notícias falsas, e quase 6 em cada 10 viu ao menos três -- com 6% dos brasileiros tendo visto todas as sete notícias falsas apresentadas no estudo.
Os internautas brasileiros acreditam mais nas informações falsas sobre o coronavírus que os italianos ou os estadunidenses
73% dos brasileiros entrevistados acredita que pelo menos um dos conteúdos com desinformação é verdadeiro ou provavelmente verdadeiro, seguido por 65% dos estadunidenses e 59% dos italianos.
46% dos brasileiros entrevistados acredita que amigos e familiares foram vítimas de notícias falsas, seguido por 41% dos italianos e 26% dos estadunidenses.
O WhatsApp e o Facebook estão entre as três fontes mais citadas pelos brasileiros para todas as declarações falsas mostradas na pesquisa da Avaaz
59% viu ao menos um dos conteúdos desinformativos sobre o coronavírus no WhatsApp.
O WhatsApp também foi a fonte mais citada para 4 das 7 notícias falsas apresentadas aos entrevistados.
55% viu ao menos um dos conteúdos desinformativos no Facebook.
Os brasileiros querem MUITO as correções
80% diz que gostaria de receber correções de verificadores de fatos quando forem expostos a notícias falsas. Entre aqueles que se informam sobre a pandemia principalmente através do Facebook, esse número é de 83%.
Para os fins desta pesquisa, a Avaaz definiu desinformação como "informação verificável como falsa ou enganosa que tem o potencial de causar dano ao público, como enfraquecer a democracia ou prejudicar a saúde pública".
A pesquisa foi conduzida virtualmente com pessoas entre 18 e 65 anos e foram entrevistadas 2001 pessoas no Brasil, 2002 na Itália e 2000 nos Estados Unidos, entre os dias 9 e 15 de abril de 2020. A margem de erro é de 2,2% para cada país.
Nessa pesquisa, a Avaaz selecionou 9 afirmações sobre o coronavírus e as apresentou aos entrevistados, apenas em formato de texto: duas eram afirmações baseadas em informações corretas e sete eram conteúdos falsos desmentidos por verificadores de fatos independentes. A fim de determinar quais afirmações seriam apresentadas aos entrevistados nessa pesquisa, os pesquisadores da Avaaz estavam monitorando conteúdos com desinformação sobre o Covid-19 desde o início de março de 2020.
Após algumas rodadas de pesquisa entre os membros da comunidade da Avaaz, via Survey Monkey, os pesquisadores selecionaram as afirmações que foram mais popularmente vistas e tidas como verdadeiras pelos entrevistados em todos os países. Para aqueles três países, 6 alternativas falsas idênticas foram apresentadas e, para cada país (Itália, Brasil, EUA), incluiu-se uma afirmação falsa ad hoc que estava circulando especificamente nas línguas locais. Para o Brasil foi: “em apenas um dia, centenas de crianças morreram vítimas do novo coronavírus na Itália”; para a Itália: “a falta de vitamina D torna o coronavírus mais agressivo”; e para os EUA: “a legislação marcial é iminente e será imposta nos EUA em breve”.
Todas as afirmações falsas selecionadas para fazer parte da pesquisa foram previamente desmentidas por, pelo menos, um verificador de fatos independente e renomado em um dos países em questão.
O novo coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China.
Tomar grandes doses de vitamina C pode retardar ou até impedir a infecção do novo coronavírus.
Em apenas um dia, centenas de crianças morreram vítimas do novo coronavírus na Itália.
Prender a respiração por 10 segundos todas as manhãs ajuda a identificar se você está infectado com o Covid-19.
Especialistas em saúde recomendam beber água regularmente pois isso levará o novo coronavírus para seu estômago, onde a acidez irá matá-lo.
O novo coronavírus é como qualquer gripe, tem os mesmos sintomas e uma taxa de mortalidade igual ou inferior à gripe comum.
A inalação de ar ou vapor quente pode matar o novo coronavirus.
Distanciamento social é uma medida eficiente para prevenir a disseminação do novo coronavírus.
Lavar as mãos com sabão regularmente e meticulosamente mata o novo coronavirus.
Os resultados da pesquisa revelaram que as afirmações falsas nas quais os internautas brasileiros mais acreditaram foram:
O novo coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China
Tomar grandes doses de vitamina C pode retardar ou até impedir a infecção do novo coronavírus.
Especialistas em saúde recomendam beber água regularmente pois isso levará o novo coronavírus para seu estômago, onde a acidez irá matá-lo.
A Avaaz decidiu, então, olhar mais de perto como estava ocorrendo a disseminação das postagens desses três conteúdos de desinformação no Facebook.
Para esse relatório, os pesquisadores da Avaaz focaram em coletar postagens que abordavam a informação central da afirmação falsa compartilhada nas redes sociais e que foram checadas por verificadores de fatos independentes e renomados no país, como AFP, Estadão Verifica e Aos Fatos.
Os artigos desses verificadores de fatos credenciados que desmentiram cada uma das afirmações falsas foram o ponto de partida. A Avaaz olhou cada postagem específica desmentida por eles e verificou se elas ainda estavam no ar. A partir de cada postagem originalmente verificada, os pesquisadores selecionaram excertos dos textos, a fim de realizar pesquisas na plataforma CrowdTangle e ver se outras páginas, grupos ou perfis públicos haviam compartilhado a mesma postagem entre 1 de janeiro e 28 de abril de 2020. Para conduzir essa busca no CrowdTangle, os pesquisadores da Avaaz identificaram palavras ou frases chave em cada postagem, como:
"está aí a prova cabal do crime vírus de laboratório by china", da postagem com o vídeo contendo a afirmação falsa número 1 ("O novo coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China").
"É importante ter maior conhecimento da doença: o professor Chen Horin, CEO do Hospital Militar de Pequim, disse: 'Fatias de limão em um copo de água morna podem salvar sua vida'", da postagem compartilhando a afirmação falsa número dois ("Tomar grandes doses de vitamina C pode retardar ou até impedir a infecção do novo coronavírus").
"Respire fundo e prenda a respiração por mais de 10 segundos.", da postagem compartilhando a afirmação falsa número três ("Especialistas em saúde recomendam beber água regularmente pois isso levará o novo coronavírus para seu estômago, onde a acidez irá matá-lo").1
O último passo foi avaliar uma amostra representativa de 5% do total das postagens encontradas no CrowdTangle. Uma vez baixada a base de dados daquelas pesquisas contendo links para cada postagem compartilhando cada conteúdo de desinformação, os pesquisadores examinaram aleatoriamente 5% das postagens para saber: se elas ainda estavam no ar; se elas continham algum tipo de rótulo ou de aviso do Facebook direcionando para artigos com fatos verificados; e se a postagem estava realmente compartilhando a mesma informação.
No Brasil, 94% dos entrevistados viu pelo menos uma afirmação falsa sobre o coronavírus. Nos Estados Unidos e na Itália esses números foram de 83% e 95%, respectivamente. Cerca de 8 em cada 10 brasileiros viram duas ou mais notícias falsas, e quase 6 em cada 10 viram pelo menos três notícias falsas, com 6% dos brasileiros tendo visto todas as sete notícias falsas apresentadas neste estudo.
Também são os brasileiros os que mais acreditam em conteúdos de desinformação relacionados ao coronavírus, em comparação com os outros dois países: 73% dos brasileiros entrevistados acredita que ao menos uma informação falsa era verdadeira ou provavelmente verdadeira, seguidos por 65% dos estadunidenses e 59% dos italianos. Além disso, 46% dos brasileiros entrevistados acredita que sua família e amigos foram vítimas de notícias falsas, seguidos por 41% dos italianos e 26% dos estadunidenses.
As notícias falsas mais vistas pelos entrevistados brasileiros foram:
O novo coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China: 76% viu.
O novo coronavírus é como qualquer gripe, tem os mesmos sintomas e uma taxa de mortalidade igual ou inferior à gripe comum: 50% viu.
Tomar grandes doses de vitamina C pode retardar ou até impedir a infecção do novo coronavírus: 49% viu.
Apesar disso, as notícias falsas nas quais os brasileiros mais acreditaram foram ligeiramente diferentes:
O novo coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China: 38% disse ser verdadeira ou provavelmente verdadeira.
Tomar grandes doses de vitamina C pode retardar ou até impedir a infecção do novo coronavírus: 36% disse ser verdadeira ou provavelmente verdadeira.
Especialistas em saúde recomendam beber água regularmente pois isso levará o novo coronavírus para seu estômago, onde a acidez irá matá-lo: 30% disse ser verdadeira ou provavelmente verdadeira.
O novo coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China | Tomar grandes doses de vitamina C pode retardar ou até impedir a infecção do novo coronavírus | EUA legislação marcial é iminente - BR em apenas um dia, centenas de crianças morreram - IT falta de vitamina D torna o novo coronavírus mais agressivo | Prender a respiração por 10 segundos todas as manhãs ajuda a identificar se você está infectado com o Covid-19 | Especialistas em saúde recomendam beber água regularmente pois isso levará o novo coronavírus para seu estômago, onde a acidez irá matá-lo | O novo coronavírus é como qualquer gripe, tem os mesmos sintomas e uma taxa de mortalidade igual ou inferior à gripe comuns | A inalação de ar ou vapor quente pode matar o novo coronavirus | Distanciamento social é uma medida eficiente para prevenir a disseminação do novo coronavírus | Lavar as mãos com sabão regularmente e meticulosamente mata o novo coronavirus | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Base | 2001 | 2001 | 2001 | 2001 | 2001 | 2001 | 2001 | 2001 | 2001 |
Verdadeiro | 11 | 10 | 9 | 10 | 12 | 9 | 5 | 85 | 73 |
Provavelmente verdadeiro | 27 | 26 | 19 | 17 | 18 | 13 | 12 | 11 | 20 |
Provavelmente falso | 29 | 32 | 37 | 28 | 28 | 22 | 32 | 2 | 4 |
Falso | 33 | 33 | 35 | 44 | 42 | 56 | 51 | 1 | 3 |
Além disso, uma maioria esmagadora dos brasileiros entrevistados parece acreditar também em fatos corretos sobre o vírus: 97% disse que o distanciamento social é uma medida efetiva para prevenir que o novo coronavírus se espalhe, e 92% acredita que lavar as mãos com sabão regularmente e minuciosamente mata o novo coronavírus.
Homens e mulheres brasileiros de todas as idades são quase igualmente impactados pelas notícias falsas. As pessoas do Norte parecem ser as mais mal-informadas: 84% acredita que pelo menos uma das notícias falsas é verdadeira.
Para ver todos os dados da tabela, role para a direita
Gênero | Região | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Homem | Mulher | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-oeste | |
Base | 984 | 1017 | 160 | 544 | 863 | 274 | 160 |
Ao menos 1 notícia falsa é verdadeira | 72 | 75 | 84 | 75 | 71 | 75 | 65 |
Não acredita em notícias falsas | 28 | 25 | 16 | 25 | 29 | 25 | 35 |
O WhatsApp é a rede social mais utilizada pelos entrevistados - 90%. O aplicativo de troca de mensagens instantâneas é seguido pelo Facebook (83%), YouTube (71%), Instagram (64%) e Twitter (26%). Apenas 1% disse que não utiliza redes sociais.
Os brasileiros estão obtendo a maior parte de suas notícias sobre a pandemia através de telejornais (54%). Entretanto, WhatsApp e Facebook estão entre as três fontes mais citadas para todas as afirmações falsas apresentadas na pesquisa da Avaaz, com destaque para o WhatsApp, o mais citado em 4 das 7 afirmações. Além disso, 59% dos entrevistados brasileiros viu pelo menos uma das notícias falsas no WhatsApp, e 55%, no Facebook.
Incluímos abaixo uma tabela com as sete afirmações falsas apresentadas na pesquisa e as três fontes mais citadas pelos participantes brasileiros. A lista completa para cada afirmação pode ser vista aqui.
Para ver todos os dados da tabela, role para a direita
O novo coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China | Total |
---|---|
Base | 1513 |
47 | |
46 | |
Conversas orais com família e amigos | 42 |
Tomar grandes doses de vitamina C pode retardar ou até impedir a infecção do novo coronavírus | Total |
---|---|
Base | 976 |
49 | |
42 | |
Conversas orais com família e amigos | 40 |
Em apenas um dia, centenas de crianças morreram | Total |
---|---|
Base | 506 |
Televisão | 46 |
38 | |
33 |
Prender a respiração por 10 segundos todas as manhãs ajuda a identificar se você está infectado com o Covid-19 | Total |
---|---|
Base | 813 |
52 | |
37 | |
Televisão | 34 |
Especialistas em saúde recomendam beber água regularmente pois isso levará o novo coronavírus para seu estômago, onde a acidez irá matá-lo | Total |
---|---|
Base | 850 |
51 | |
38 | |
Televisão | 37 |
O novo coronavírus é como qualquer gripe, tem os mesmos sintomas e uma taxa de mortalidade igual ou inferior à gripe comuns | Total |
---|---|
Base | 1003 |
Televisão | 45 |
43 | |
42 |
A inalação de ar ou vapor quente pode matar o novo coronavirus | Total |
---|---|
Base | 479 |
46 | |
38 | |
Conversas orais com família e amigos | 31 |
A vasta maioria dos entrevistados brasileiros (80%) gostaria de receber correções toda vez que for alvo de notícias falsas. No Brasil, o número sobe para 83% entre aqueles que se informam sobre a pandemia prioritariamente no Facebook.
No entanto, 57% dos entrevistados brasileiros não viu nenhuma correção ou rótulo de notícias falsas ou enganosas no Facebook, enquanto 34% das pessoas entrevistadas disse que viu. A título de comparação: 76% dos italianos e 69% dos estadunidenses não viram correções no Facebook (16% e 24%, respectivamente, viram).
Brasileiros | Total | Viram notícias falsas |
---|---|---|
Base | 2001 | 1880 |
Sim | 80 | 81 |
Não | 11 | 11 |
Não sei | 9 | 8 |
Italianos | Total | Viram notícias falsas |
---|---|---|
Base | 2002 | 1897 |
Sim | 67 | 68 |
Não | 19 | 19 |
Não sei | 13 | 13 |
Estadunidenses | Total | Viram notícias falsas |
---|---|---|
Base | 2000 | 1659 |
Sim | 45 | 47 |
Não | 39 | 37 |
Não sei | 16 | 16 |
Outro fator interessante é a confiança nas instituições: 18% dos entrevistados que acredita em ao menos uma notícia falsa não acredita na OMS, contra 8% daqueles que não acredita em nenhuma das notícias falsas apresentadas, como é possível ver na tabela abaixo.
Para ver todos os dados da tabela, role para a direita
Total | Não viu notícias falsas | Pelo menos 1 notícia falsa é verdadeira | Não acredita em notícias falsas | |
---|---|---|---|---|
Base | 2001 | 1880 | 1464 | 537 |
Acredita fortemente | 34 | 34 | 32 | 40 |
Acredita | 46 | 45 | 45 | 48 |
Não acredita | 12 | 12 | 14 | 7 |
Desacredita fortemente | 3 | 3 | 4 | 1 |
Não sabe | 5 | 5 | 5 | 4 |
Os pesquisadores da Avaaz selecionaram todos os exemplos a seguir a partir de notícias falsas que passaram pelo crivo de verificadores de fatos renomados e independentes no país, como AFP, Estadão Verifica e Aos Fatos. Porque os artigos de verificação de fatos geralmente detalham explicitamente a postagem que eles estão verificando, essas foram as postagens descritas em detalhe neste relatório. Com base nessas postagens, os pesquisadores selecionaram palavras-chave presentes nesses textos e identificaram mais exemplos usando a ferramenta de busca do CrowdTangle.
Nota: estava além do escopo dessa investigação determinar se pessoas, páginas ou grupos compartilharam conteúdo sabendo que ele continha desinformação. Como mostra a pesquisa, milhões estão sendo vítimas dessa infodemia, e alguns estão espalhando conteúdos com desinformação inadvertidamente.
O que disseram os verificadores de fatos: Falso
Desinformação: a página do Facebook “Sou do Uíge e Amo Uíge3 ”, criada em Angola, com 6.368 seguidores, compartilhou esta postagem4 , amplamente disseminada nas redes sociais, alegando que um médico chinês recomendava a ingestão de vitamina C para retardar ou até impedir que as pessoas contraíssem o coronavírus.
Interações da postagem no Facebook: 52.567
Verificação dos fatos: A AFP5 , uma verificadora de fatos parceira do Facebook, diz que “publicações compartilhadas dezenas de milhares de vezes sugeriam que ingerir vitamina C ao beber água morna com fatias de limão permitiria que você estivesse protegido ou até imunizado contra o novo coronavírus. De acordo com especialistas consultados pela AFP, essa alegação é falsa”.
É importante notar que, apesar de a AFP ter verificado especificamente essa informação, avisos sobre a falsidade dessa postagem são visíveis apenas quando o usuário vê a postagem no Facebook no “modo vídeo”. Isso ilustra claramente, como mostrado pela Avaaz6 anteriormente, a incoerência do Facebook na implementação de seus próprios esforços para impedir a disseminação de conteúdo com desinformação7.
Usando o CrowdTangle8, os pesquisadores selecionaram uma frase da notícia falsa ("é importante ter maior conhecimento da doença: o professor Chen Horin, CEO do Hospital Militar de Pequim, disse: "fatias de limão em um copo de água morna podem salvar sua vida") para pesquisar se ela estava sendo compartilhada nas páginas, grupos ou perfis públicos em português do Facebook.
A pesquisa resultou em 6.551 postagens que reciclavam as mesmas alegações falsas. Coletivamente, essas postagens foram compartilhadas em páginas, grupos e perfis públicos, gerando mais de 72 mil interações (comentários, curtidas e compartilhamentos) entre 1º de janeiro e 28 de abril de 20209.
Os pesquisadores da Avaaz checaram, aleatoriamente, 5% das postagens (328 postagens) para examinar se havia qualquer aviso, rótulo ou artigo contendo uma verificação de fatos atrelada ao conteúdo. Determinou-se que não havia avisos nem sinalizações em 166 postagens, enquanto 44 das postagens que ainda estavam no ar tinham algum tipo de aviso sobre verificação de fatos e 1.181 já haviam sido retiradas do ar. Abaixo, um exemplo de postagem:
O que disseram os verificadores de fatos: Falso
Desinformação: essa postagem10 é um exemplo de duas alegações falsas amplamente compartilhadas:
Especialistas em saúde recomendam beber água regularmente pois isso levará o novo coronavírus para seu estômago, onde a acidez irá matá-lo.
Prender a respiração por 10 segundos todas as manhãs ajuda a identificar se você está infectado com o Covid-19.
Verificação dos fatos: a AFP11, uma verificadora de fatos parceira do Facebook, diz que: “resumidamente, é falsa a afirmação de que prender a respiração por 10 segundos todas as manhãs é uma maneira eficaz de diagnosticar o novo coronavírus. Tampouco é verdade que beber água constantemente leva o vírus para o estômago e torna o contágio inviável, como afirmam publicações viralizadas”. Muitos outros verificadores de fatos e jornais desmentiram essas curas fictícias, que viralizaram não apenas no Brasil e em língua portuguesa como em tantos outros países e idiomas12.
Interações nas postagens no Facebook: 407
Após meses de investigação, percebeu-se que esses dois conteúdos com desinformação normalmente andam juntos, e, por isso, decidimos medir seu alcance como um único conteúdo.
O problema tornou-se consideravelmente maior quando os pesquisadores procuraram no CrowdTangle para avaliar se essas alegações falsas estavam sendo compartilhadas em páginas, grupos e perfis públicos no Facebook. Eles buscaram a frase: “respire fundo e segure a respiração por mais de 10 segundos13” no CrowdTangle. Encontraram 1.948 posts em português com mais de 29.000 interações (curtidas, comentários e compartilhamentos)14, em 28 de abril de 2020.
A Avaaz percebeu que diferentes especialistas e instituições foram citados para “provar” essas duas alegações falsas em várias postagens. Encontrou-se uma postagem sugerindo que a prática era aconselhada pelo governo do Canadá15, outra dizendo que ela derivou de um pronunciamento oficial do governo de São Paulo16, e outras dizendo que o conselho vinha de vários médicos especialistas, como um jovem médico em Wuhan17, médicos chineses na Itália18 ou um médico do Hospital de Stanford19.
Os pesquisadores da Avaaz checaram, aleatoriamente, 5% do total de postagens (97 postagens) a fim de verificar se havia algum aviso, rótulo ou artigo contendo a verificação dos fatos atrelado a elas. Verificou-se que 10 postagens estavam fora do ar e que nenhuma das 87 postagens ainda online tinha qualquer tipo de aviso de verificação de fatos.
O que disseram os verificadores de fatos: Enganosa
Desinformação: existem muitas variações do mito de que o coronavírus foi criado em um laboratório secreto na China espalhadas pelas redes sociais. Uma postagem20 na página do Facebook “Intervenção ANTES QUE Tardia21”, criada no Brasil, com quase 99.189 seguidores, foi a que ganhou mais força. Ela alega que o Covid-19 foi criado em laboratório pelas autoridades chinesas. Essa postagem compartilhava um artigo do jornal “Agora Paraná”, que o escreveu baseado em um vídeo que reciclava um excerto de um programa de TV da Itália, de 2015, apresentado fora de contexto, como evidência de que o novo coronavírus tinha sido criado pelo Partido Comunista Chinês há muito tempo.
Interações na postagem no Facebook: 167
Verificação dos fatos: as checagens apresentadas na postagem pela Agência Lupa22 e pelo Estadão Verifica23, ambos verificadores de fatos parceiros do Facebook, desmentiram o vídeo no qual o artigo é baseado (o UOL desmente o artigo especialmente aqui24). O Estadão Verifica afirma que: “são enganosas as publicações que afirmam que uma reportagem, veiculada em novembro de 2015 pela emissora de TV italiana RAI, demonstra que o novo coronavírus foi criado em um laboratório pelo governo chinês”. A Lupa diz que: "o vídeo analisado pela Lupa é antigo e trata de uma pesquisa sem qualquer relação com o novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador do Covid-19. A informação já foi desmentida tanto pelo programa de TV TGR Leonardo, em edição recente, quanto pela revista Nature, que havia publicado em 2015 o artigo científico sobre o estudo retratado na RAI. Por isso, é falsa a afirmação de que a reportagem prove que o vírus responsável pela atual pandemia foi desenvolvido propositalmente em um laboratório na China."
Os pesquisadores da Avaaz procuraram no CrowdTangle o link exato do artigo sobre o vídeo compartilhado nessa postagem, resultando 86 postagens e 10.339 interações:
Os pesquisadores da Avaaz foram capazes de checar todas as 86 postagens e descobriram que 31 delas não tinha nenhum tipo de verificação de fatos ou avisos de nenhum tipo, enquanto as outra 54 o tinham e uma havia sido tirada do ar. É interessante notar que, destas 54 postagens, 28 tinham uma verificação de fatos “oculta”, apenas visível quando os usuários clicavam no ícone "i" e somente quando esta funcionalidade está disponível para os usuários.
As tentativas das plataformas de redes sociais de se autorregularem para combater a desinformação são comprovadamente ineficientes e colocam a saúde e os direitos constitucionais dos cidadãos em risco. A exclusão de conteúdos, a ausência de mecanismos para recorrer dessas decisões e a falta de transparência sobre as medidas adotadas são alguns dos problemas do modelo de auterregulação que está sendo aplicado atualmente, e devem servir como alerta aos legisladores e ativistas em prol dos direitos dos cidadãos ao redor de todo o mundo.
A falta de marcos legais sólidos incentiva as plataformas a não agirem com eficiência e diligência suficientes. Para preservar os direitos mais fundamentais dos cidadãos e lidar com a desinformação de forma eficaz e na velocidade e amplitude necessárias, especialmente durante uma pandemia, a Avaaz pede aos legisladores que ajam rapidamente.
Portanto, recomendamos fortemente:
Enquanto a legislação brasileira oferece alternativas às autoridades para indiciar e julgar crimes online em geral, não existem leis que tratem da desinformação em específico.
A Avaaz encoraja os legisladores brasileiros a aprovarem o atual texto da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, sob os números PL 1429/2020 (Câmara dos Deputados) e PL 1358/2020 (Senado). Esse PL, esforço coletivo de uma coalizão de 12 deputados e senadores de diferentes partidos e diversas ideologias políticas, é bem-vindo e recebido pela Avaaz como um forte precedente para a criação de leis de combate à desinformação em todo o mundo, que equilibrem tanto a proteção da liberdade de expressão quanto da saúde pública, da segurança e da democracia.
A proposta de lei, da maneira como está desenhada hoje, traz eficiência, transparência e rapidez no combate à desinformação online, baseada na colaboração entre as plataformas de redes sociais, dos poderes Executivo e Judiciário e de atores independentes. Além disso, a lei propõe medidas que dêem transparência, incluindo a emissão de correções para cada usuário que for alvo de desinformação -- o que, de acordo com estudos, pode reduzir a crença na desinformação se forem feitas seguindo as melhores práticas.
A Avaaz recomenda que deputados e senadores coloquem a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet em votação em regime de urgência, assim como qualquer outra medida que aplique de maneira eficaz e democrática o princípio de "corrigir o erro".
As plataformas de redes sociais devem trabalhar em conjunto com os especialistas, a comunidade científica e os verificadores de fatos independentes para enviar, de forma rápida, informações factuais a todos os usuários que sejam expostos ou interajam com informações falsas ou enganosas, incluindo aquelas sobre o Covid-19.
Uma pesquisa25 encomendada pela Avaaz, feita pela George Washington University e pela Ohio State University, comprova que exibir correções feitas por verificadores de fatos independentes toda vez que um usuário do Facebook for exposto a uma informação falsa pode reduzir radicalmente o número de pessoas que acreditam nesses conteúdos. A crença na desinformação é reduzida pela metade (49,4%), chegando a até 61% em alguns casos.
Esse estudo confirma uma longa linha de pesquisas acadêmicas que demonstra que correções podem reduzir e até eliminar os efeitos da desinformação. Esses resultados são consistentes em todo o espectro político.
Um relatório da Avaaz26, amplamente noticiado pela imprensa no Brasil e no exterior27, mostra que, apesar dos esforços do Facebook para conter a desinformação sobre o Covid-19 em inglês, o conteúdo em outros idiomas, inclusive o português, ainda é pouquíssimo corrigido. A pesquisa da Avaaz constatou que, no dia 7 de abril de 2020, mais de 51% do conteúdo de desinformação analisado em outros idiomas que não o inglês ainda não havia recebido rótulo de alerta pelo Facebook.
As plataformas de redes sociais precisam adaptar seus algoritmos para garantir que eles não estejam impulsionando conteúdos com desinformação. Elas devem parar imediatamente a promoção gratuita de conteúdos falsos através dos seus algoritmos, extraindo esses conteúdos factualmente imprecisos de exibição e de recomendação.
As plataformas de redes sociais devem informar aos governos, sociedade civil e público sobre a natureza e a escala da ameaça que as informações falsas sobre o Covid-19 representam, e sobre as medidas que estão sendo adotadas para proteger seus usuários contra esse e outros tipos de desinformação. Elas devem fornecer relatórios periódicos, verificáveis por auditores independentes, que incluam (organizados por país e idioma):
informações falsas encontradas em seus serviços.
total de usuários atingidos pela desinformação.
detalhes sobre os seus esforços para lidar com esse problema.
número total de correções emitidas.
Orientar a base do governo no Congresso a apoiar o voto e a aprovação, com urgência, dos projetos de lei PL 1429/2020 e PL 1358/2020, devido à emergência e à gravidade da infodemia de Covid-19.
Tratar o impacto da desinformação sobre o Covid-19 com a mesma velocidade e amplitude com que ela se torna viral. A Avaaz recomenda a revisão de estratégias de comunicação, incluindo:
mobilização dos canais oficiais dos governos para proporcionar, de forma urgente, informações mais confiáveis sobre a saúde para o público em geral. Isso inclui, mas não se limita a: utilização dos veículos de imprensa estatais, criação de parcerias com organizações midiáticas, investimentos em propaganda em outros meios.
O desenvolvimento de campanhas focadas nas redes sociais. A Avaaz também incentiva o governo a direcionar recursos para o desenvolvimento de campanhas educativas com foco nas redes sociais, combatendo os conteúdos de desinformação mais populares identificados por esse estudo.
Realizar verificação de fatos de maneira mais eficiente, mais rápida e mais frequente. A Avaaz reconhece os esforços do Ministério da Saúde na verificação de informações falsas relacionadas à saúde pública, e incentiva as autoridades a melhorarem suas parcerias com agências independentes, não partidárias e imparciais de verificação de fatos, fazendo uma busca ativa por novas informações falsas ou enganosas sobre o coronavírus e trabalhando com a comunidade científica para desmascarar informações imprecisas. Para uma ampliação efetiva desse serviço essencial, em razão proporcional à escala do problema, é importante que o Ministério aumente seus esforços políticos e financeiros.
Trabalhar com líderes de outros países do G20, ministros da saúde, Organização Mundial da Saúde (OMS) e plataformas de redes sociais para impedir a desinformação sobre o Covid-19 globalmente.
Notas Finais
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